SÍNDROME DE CRI DU CHAT: PRINCIPAIS ALTERAÇÕES OROFACIAIS
Cri du Chat syndrome: main orofacial abnormalities
RESUMO
As aberrações estruturais originam quebras ou rearranjo cromossômico, como exemplo, a síndrome de Cri du Chat (CDC). A síndrome CDC foi descrita inicialmente na França em 1963, pelo geneticista Dr Jerone Lejeune, originada de uma deleção no braço curto do cromossomo 5. Estudos epidemiológicos estimaram a prevalência da patologia de 1 em 50.000 nascidos vivos. As manifestações clínicas envolvem baixo peso ao nascimento, microcefalia, face arredondada, ponte nasal larga, hipertelorismo, epicanto, fendas palpebrais inferiores oblíquas, canto da boca virado para baixo, implantação baixa da orelha, micrognatia e choro típico alto e agudo, parecido com o miado do gato, de onde se origina o nome da síndrome. Geralmente os pacientes apresentam malformações dentárias, hipoplasia de esmalte, má higiene oral, periodontite crônica generalizada e retardo na erupção dos dentes. O diagnóstico associa a clínica à análise do cariótipo, em alguns casos exigindo testes mais acurados como FISH ou PCR. É importante ressaltar a escassez de literatura em relação a perspectiva odontológica do paciente portador da síndrome CDC. Portanto, é necessário publicação de um maior número de casos, enfatizando a patologia oral (mucosa oral, periodontia e ortodontia) a fim de proporcionar uma melhor compreensão e conhecimento sobre o assunto.
Palavras-chave: síndrome de Cri-du-Chat, deleção, malformações dentárias.
ABSTRACT
The structural abnormality originates breakage or chromosome rearrangement, for example, the Cri du Chat (CDC) syndrome. The CDC syndrome was described in France, in 1963, by geneticist Dr. Jerone Lejeune, resulted from a deletion on the short arm of the chromosome 5. Epidemiological studies estimated the prevalence at 1 in 50.000 live-births. The clinic alterations are low weight, microcephaly, round face, large nasal bridge, hypertelorism, epicanthal folds, downward slanting palpebral fissures, down-turned corners of the mouth, low-set ears, micrognathia and the typical cry, high-pitched cat-like cry, that originates the syndrome name. Usually, patients present dentary malformations, enamel hypoplasia, poor oral hygiene, generalized chronic periodontitis and retardation of tooth eruption. The diagnosis is first of all clinical associated to karyotype analysis, in some cases requiring more accurate tests, such FISH ou PCR. It is important to point out the scarcity of published literature about patients with CDC syndrome from an odontological perspective. Therefore, it is necessary to publish a wider series of cases, paying close attention to oral pathology (dental, periodontal, orthodontic and oral mucosa) in order to provide a better understanding and knowledge about it.
Keywords: Cri du Chat syndrome, deletion, dental malformations.
INTRODUÇÃO
Doença genética é definida como qualquer alteração no material genético. Envolve toda alteração gênica nos indivíduos e podem ser transmitida para as próximas gerações. A alteração é baseada no aumento ou na diminuição da quantidade de DNA presente, seja através de cromossomos inteiros ou por frações deles, por meio de deleções, duplicações ou ainda, translocações (ALVES, et al., 2011).
As aberrações cromossômicas são definidas como estas alterações estruturais ou numéricas dos cromossomos das células, presente em média em 8,1% das gestações clinicamente reconhecidas, sendo uma das principais causas de morte em estágios precoces do desenvolvimento fetal. As aberrações numéricas são mais comuns e caracterizam-se pelo número anormal de cromossomos. As aberrações estruturais, de menor freqüência, originam quebras ou rearranjo cromossômico, resultando em reconstituição anormal, como exemplo, a síndrome de Cri du Chat (CDC) (VASCONCELOS, 2007).
A síndrome CDC foi descrita inicialmente na França em 1963, pelo geneticista Dr Jerone Lejeune, baseada em três casos estudados na época. Ficou conhecida como síndrome 5p- (menos), síndro de Lejeune e posteriormente, síndrome do Miado de Gato devido ao choro da criança ao nascer tem semelhança a um gato em sofrimento (CECILIO, 2006).
A deficiência cromossômica da síndrome é resultado da deleção do braço curto do cromossomo 5 e é designada 5p- ou 46, xy. Hoje denominada síndrome de Cri du Chat, a síndrome apresenta maior incidência no sexo feminino e estima-se um total de 1:50.000 nascido vivos (MELO & HAGE, 2004).
Clinicamente, se manifesta como baixo peso ao nascimento, microcefalia, face arredondada, ponte nasal larga, hipertelorismo, epicanto, fendas palpebrais inferiores oblíquas, canto da boca virado para baixo, implantação baixa da orelha, micrognatia e choro típico alto e agudo, parecido com o miado do gato. Ainda, pode ter severo retardo psicomotor durante o primeiro ano de vida. Malformações embora pouco freqüentes podem aparecer em órgãos como coração, cérebro e rim (MAINARD, 2006).
Entre as principais alterações orofaciais destacam-se: micrognatia mandibular, palato alto, fissura, má oclusão, hipoplasia de esmalte e periodontite crônica generalizada (CABALLERO, et al., 2010).
O diagnóstico pré-natal pode ser realizado através da amniocentese, que envolve a retirada de uma amostra de líquido amniótico do útero para avaliação, sendo indicado principalmente para gestantes em idade avançada (MELO & HAGE, 2004).
O diagnóstico inicial envolve todo o quadro clínico, baseado nas características típicas do dismorfismo facial, hipotonia em combinação com o choro miado de gato peculiar. O primeiro teste de confirmação diagnóstica é a análise do cariótipo, quando há discordância entre as características clínicas e o resultado do cariótipo, indica-se a análise FISH (MAINARDI, 2006).
O presente estudo objetiva realizar um levantamento bibliográfico sobre a síndrome de Cri du Chat, considerando as importantes alterações orofaciais presentes na síndrome, o que enfatiza ainda mais o papel do odontólogo na abordagem multidisciplinar das doenças genéticas.
DEFINIÇÃO
A síndrome de Cri du Chat (CDC) é considerada a desordem cromossômica estrutural mais freqüente, descrita pela primeira vez em 1963, pelo geneticista francês Lejeune. A síndrome recebeu tal denominação em virtude do choro do recém nascido portador da doença assemelhar-se ao miado de um gato. O choro característico está associado a uma má formação da laringe, que emite estes sinais acústicos (SANTOS, et al., 2010).
EPIDEMIOLOGIA
Apesar de ser considerada uma doença genética autossômica rara a CDC é uma das síndromes cromossômicas mais como nos seres humanos. Os primeiros estudos epidemiológicos estimaram a prevalência de 1 em 50.000 nascidos vivos na população geral. No entanto, estudos posteriores uma maior prevalência de 1 em 37.000 bebês nascidos vivos (CABALLERO, et al., 2010).
A incidência da patologia no sexo feminino é ligeiramente superior, porém, não foram descritas diferenças significativas na distribuição da síndrome entre diferentes raças ou áreas geográficas. Ocasionalmente, exposição a radiação e doença materna, incluindo hiperêmese, anorexia, toxemia e sangramento vaginal, foi relatada (CABALLERO, et al., 2010).
ALTERAÇÕES GENÉTICAS
As alterações cromossômicas estruturais em uma de suas modalidades envolvem o fenômeno da deleção. Neste processo, ocorre perda de fragmento cromossômico. A síndrome CDC ocorre por uma deleção no braço curto do cromossomo 5, variando de tamanho, desde todo o braço até apenas um pequeno fragmento (ZAHA, et al., 1996).
Por volta de 85% dos casos são esporádicos (acidente biológico) e ocorrem durante o processo de gametogênese, sendo considerado o cromossomo deletado em 85% das vezes de origem paterna. O restante dos casos originam-se de uma separação desigual de uma translocação parental, sendo, portanto, uma herança genética, não havendo perda de material (MOREIRA, et al., 1995).
A síndrome CDC é herdada em apenas 20% dos casos, causada pela translocação equilibrada nos cromossomos dos pais (ANTONELI, et al., 2006).
ALTERAÇÕES CLÍNICAS
Durante o período neonatal o choro típico é provavelmente a característica mais comum e a alteração marcante em recém-nascidos e crianças jovens. Geralmente o choro similar ao miado de um gato desaparece em poucos meses ou anos de vida, no entanto, a duração do mesmo é controversa. A patogênese do choro foi atribuída a alteração laríngea e epiglótica ainda nos primeiros casos publicados. Além do choro, os recém-nascidos portadores da síndrome CDC apresentam baixo peso ao nascer e tamanho reduzido (CABALLERO, et al., 2010).
Alguns sinais não estão presentes em todos os casos da síndrome, a única característica comum em todos os casos é o retardo neuropsicomotor severo. Durante os dois primeiros anos de vida o crescimento e desenvolvimento é retardado por causa das dificuldades de alimentação (sucção fraca, disfagia, hipotonia muscular, refluxo nasal e gastroesofágico) (MACHADO, et al., 2006).
Entre as principais manifestações craniofraciais, pode-se enfatizar microcefalia, face em lua, presença de epicanto, hipertelorismo, assimetria facial, orelha de implantação baixa, ponte nasal larga, cabelo cinza precoce e conduto auditivo estreito (MACHADO, et al., 2006).
Anormalidades cardíacas, esqueléticas, geniturinárias, metabólicas ou imunes podem estar presentes. A cardiopatia pode aparecer em 61% dos portadores da síndrome, incluindo defeito septal, ventricular, estenose pulmonar periférica, coarctação de aorta, atresia de tricúspide. Alterações esqueléticas como escoliose e luxação congênita de quadril podem estar presentes nos portadores da síndrome CDC (SOUZA, et al.,2010).
ALTERAÇÕES OROFACIAIS
As principais alterações orofaciais registradas incluem micrognatia em 75% dos casos, palato alto, raramente fissuras, má-oclusão variável com mordida anterior aberta, como alteração mais freqüente (CABALLERO, et al., 2010).
A micrognatia é uma condição onde a mandíbula está subdimensionada, algumas vezes chamada de hipoplasia mandibular, podendo ser causa de alinhamento anormal dos dentes. Esta não está presente apenas na síndrome CDC, é um achado não específico muito associado a cromossomopatias (DOMONT, 2003).
Geralmente os pacientes apresentam malformações dentárias, apresentando dentes projetados para frente devido às anormalidades no desenvolvimento crânio-facial (FREITAS, et al., 2005).
Ainda, é relatado na síndrome hipoplasia de esmalte, má higiene oral, periodontite crônica generalizada e retardo na erupção dos dentes. Apesar destas alterações estarem presentes, não há evidências claras que associe elas com a síndrome CDC (CABALLERO, et al., 2010).
DIAGNÓSTICO
O diagnóstico inicial da síndrome CDC é clínico, baseado na dismorfia facial em associação a hipotonia e o choro peculiar semelhante ao miado de um gato. O primeiro teste a ser realizado é a análise do cariótipo, que irá confirmar o diagnóstico suspeito frente à clínica característica. Em caso de dúvida quando há conflito entre a clínica e o resultado do cariótipo aparentemente normal, deve ser realizado a análise FISH (MAINARD, 2006).
A análise FISH, também conhecida como hibridização “in situ” com fluorescência permite a detecção de deleções de porções menores do cromossomo. Esta técnica, introduzida na década de 80, possibilita a localização de seqüências específica de DNA nos cromossomos. A sonda passa por um processo de marcação com um fluorocromo que permite a visualização ao microscópio de fluorescência. Quando ocorre uma deleção, como na patologia CDC, é observado apenas um sinal em cada célula (FUNARI, 2009).
Técnicas recentes como arranjo CGH e PCR quantitativo são usadas principalmente para fins investigativos, permitindo uma definição mais precisa de quebra de pontos e micro arranjos (MAINARD, 2006).
DIAGNÓSTICO PRE-NATAL
O diagnóstico pré-natal pode ser feito a partir de dois testes que constatam a síndrome CDC. Um deles é a amniocentese, realizado por volta da 18ª semana e se restringe a retirada de um pouco de líquido amniótico e a submissão do mesmo à análise do cromossomo fetal. Outro exame é o Chorionic Villius Sampling (CVS) que pode ser realizado semanas antes da amniocentese e se delimita à retirada de um pedaço pequeno da placenta e análise do cromossomo (MAINARD, 2006).
TRATAMENTO
Não há um tratamento específico para a síndrome CDC como o dano cerebral resultante da mutação, que ocorre no início do desenvolvimento embrionário. No entanto, pacientes se beneficiam de programas de reabilitação devendo ser iniciada precocemente e envolve colaboração da família (MAINARD, 2006).
Além das intervenções citadas, inclui a realização das intervenções cirúrgicas necessárias. Ainda, a introdução de rotinas saudáveis e integração nos programas didáticos. Pode-se ainda avaliar distúrbios comportamentais para aumentar o desenvolvimento motor, melhorando a sua autonomia e adaptação social (CABALLERO, et al., 2010).
PROGNÓSTICO
Tanto a taxa de sobrevivência como a expectativa de vida nos portadores da síndrome CDC são altas. Alguns casos registraram paciente com mais de 50 anos de idade. A morbi-mortalidade é maior nos primeiros anos de vida: 75% dos óbitos registrados ocorrem durante os primeiros meses após o nascimento e 90% durante os primeiros anos de vida (CABALLERO, et al., 2010).
A identificação de subgrupos fenotípicos específicos associados pode ter relevância prognóstica. Além disso, o exame clínico adicionado à análise molecular da deleção resulta em uma avaliação mais personalizada dos pacientes, que é útil nos programas educacional e de reabilitação (MAINARD, 2006).
Quanto mais precoce o diagnóstico, melhor será o desenvolvimento neuropsicomotor da criança, portanto, faz-se necessário o conhecimento das principais características da síndrome pela equipe multidisciplinar (CECILIO, 2006).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
É importante ressaltar a escassez de literatura em relação a perspectiva odontológica do paciente portador da síndrome CDC. Portanto, é necessário publicação de um maior número de casos, enfatizando a patologia oral (mucosa oral, periodontia e ortodontia) a fim de proporcionar uma melhor compreensão e conhecimento sobre o assunto.
Conclui-se que mesmo com toda a limitação decorrente da deficiência mental da síndrome, a educação especializada e a estimulação precoce proporcionarão ao portador da síndrome uma melhor adaptação e aceitação da sociedade.
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